Entrevista Guto Jimenez Parte 2

28-02-2017

Por Paulo Costa

Fotos Arquivo Guto Jimenez

Segunda e última parte da entrevista com o lendário skatista carioca Guto Jimenez. Se você não viu a primeira parte, clique aqui para acessar.

Guto_Mega_Rampa_2012

No seu blog Skateboarding Militant, você expõe de forma explicita sua opinião e um dos posts sobre os bikers em pistas de skate causou bastante polêmica e discussão. Fale um pouco sobre essa relação com esses grupos que pouco fazem pra conquistar espaços para prática de suas modalidades, mas que gostam de se impor nos skateparks…

Antes de qualquer outra coisa, é preciso que algo fique bem claro: não tenho nada contra quem pratica bmx ou patinação, é uma escolha pessoal de cada um. Já cobri mundial de bmx numa de minhas viagens à Europa, conversei e entrevistei caras como Matt Hoffman, Dennis McCoy e Dave Mirra e fiquei realmente boquiaberto com a habilidade dos bons. Já fiz alguns eventos de esportes de ação com eles juntos com o skate, como os XGames Latino-Americanos, os ZGames e o F.E.R.A Radical da ESPN, entre outros. Os caras têm os seus méritos, é inegável, mas precisam parar de colar no skate pra poderem ter locais pra praticarem seus esportes. Sou da geração que teve de conquistar cada espaço e cada pista de skate quase na marra, então eu sempre me pergunto: por que os caras não correm atrás de seus próprios interesses? Simples: porque tem gente do skate que vai correr atrás por eles, então é mais cômodo não fazer nada e aparecer pra detonar o pico depois de pronto. A esse tipinho eu chamo de parasita, não tem como aliviar. Esse papo de “irmãos de esporte radical” só funciona pra tevê ou em casos bem isolados, como em cidades em que skatistas e bikers batalham juntos pela construção de novos picos. Quando essa união consegue alguma pista, é um local que já foi projetado e construído pra aguentar a detonação provocada pelo metal das bikes. É algo que tem a ver com resistência de materiais, pergunta pra qualquer engenheiro civil que ele vai te dar uma aula. A convivência pode ser pacífica, como era em Campo Grande nos anos 80: os bikers usavam as proteções pras pedaleiras e aqueles canos laterais e andavam mais cedo do que a galera do skate, poucas eram as tretas. Todo mundo se respeita e se entende quando cada um sabe o seu lugar, simples assim. Esse é um recado que também vale pra tal de cbhp, a confederação de patinação que quer se apossar do skate junto ao COB: por favor, respeitem a história dos que vêm fazendo pelo skate há mais de 30 anos e coloquem-se nos seus devidos lugares, que é bem longe do skate.

Você é um cara que fala o que pensa com conhecimento de causa. Isso lhe traz mais inimizade ou respeito?

Pelo que percebo onde quer que eu vá, trouxe muito mais respeito e consideração do que qualquer outra coisa. Afinal de contas, sou um skatista que já praticou todas as modalidades, então acho que posso falar com alguma propriedade sobre o assunto, né não? São mundos totalmente diferentes entre si e eu sou muito grato de transitar por todos eles. É claro que não sou dono da verdade, somente das minhas verdades e olhe lá; os problemas surgem quando existe gente que não consegue ouvir uma crítica construtiva ou uma opinião contrária, mas aí não é o meu problema (risos). A minha família e meus amigos gostam de mim do jeito que eu sou, até porque não tem outro jeito mesmo (risos), então é isso que importa no final das contas. Chega a ser uma coisa até meio engraçada: agora eu tô recuperando o joelho e o quadril e tô sem andar de skate, mas acompanho os vários cenários e sou bem vindo em qualquer local onde role uma sessão ou um evento. Isso vale mais do que qualquer outra coisa.

Você está desde o início na Tribo Skate, uma revista que ajudou a trazer nova vida ao skate brasileiro nos anos 1990 e está ai até hoje. Poderia nos contar essa trajetória? Aproveitando, como você vê a mídia do skate brasileiro atual?

Em 1990, o skate brasileiro foi do apogeu ao caos em poucos meses, sendo mais uma vítima do plano Collor pra economia do país. Duas experiências pessoais ilustram isso: no início do ano, a galera tava num hotel de frente pra praia de Ipanema tomando cerveja nos intervalos da Copa Itaú de Skate, tudo bancado pela organização do evento; alguns meses depois, eu tava recebendo de volta os negativos e cromos da revista Skatin’, que era a única que tinha resistido no cenário e havia acabado de fechar. Depois de um dos raros eventos de skate em SP de 91, uma galera composta por César Gyrão, Fábio Bolota, Jorge Kuge, Hélio Greco e eu estava comendo uma pizza e teve a ideia de lançar uma revista de skate “no grito”. A Tribo Skate nasceu alguns meses depois e o cenário brasileiro começou a ser ressuscitado, mesmo sem o saber: tudo aquilo que surgiu na cena nas décadas seguintes foi em decorrência da coragem e da maluquice de meia dúzia de pessoas. Não importa o que digam por aí, a verdade é essa. Quanto à mídia de skate nacional, procuro acompanhar com o máximo de isenção possível, pois sei a trabalheira que dá pra produzir algo de qualidade e, de preferência, inédito. Repetir formatos da gringa, ou então dar uma mexida malandra pra que a galera não perceba muito a chupação, definitivamente não é a minha; já passamos por isso e somos muito melhores do que isso aqui no Brasil. Não tenho muita paciência pra egolatria, na real, então dá pra perceber que sou bem seletivo (risos). Os novos formatos de se produzir mídia ainda precisam ser absorvidos pelas publicações mais consolidadas, por assim dizer.

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Quais mídias do skate você mais gosta e recomenda?

Pô, aí você me complica, eu tenho vários amigos no ramo… (risos) Por diversos motivos: Tribo Skate, Vista, Cold Skateboard, Campeonatos de Skate, Skate Curiosidade (a “Wikipédia do skate”), Veteran Skater, Long Brasil. Dos gringos, Concrete Wave, Longboardism, Skate Slate, Thrasher, Skate Daily, King Shit, Jenkem, The Good Problem, Old School. Pra saber dos negócios, Boardsports Source, TWS Biz e quaisquer boletins que eu consiga da Board-Trac. Tem também os canais como o Ademáfia, Tuck You, alguns de marcas e inúmeros outros no YouTube, grupos em redes sociais… Uma porrada de coisa.

E o projeto CRVIS3R? Como começou e como anda?

A CRVIS3R começou a ser planejada mais a sério no início de 2012, embora a ideia de fazer uma revista dedicada aos longboards e ao cenário de skate de ladeira já rolasse há uns dois anos. As ladeiras estão nas minhas origens e, desde 1990, eu sempre tenho um long pra dar uns drops por aí; há pouco mais de quatro anos, eu ainda praticava DHS (downhill slide), slalom e tava até afiado nos drops de free ride. O Bolota andava na ladeira Circular do Bosque no Morumbi (SP) nas antigas, eu encontrava com ele nas sessões lá nos anos 80 quando ia a SP, e ele tinha uma grande experiência em fazer eventos de skate de ladeira. A gente tava no primeiro SP Longboard Walk, que foi organizado pelo Luciano PT e juntou uma galera que andou de skate do MASP até o Pacaembu na maior paz. O momento era o ideal pra ele sondar o mercado pra ver se iria rolar, enquanto eu ficara por conta do editorial. Como nunca falta movimento nas modalidades de downhill e como o mercado de longs estava bombando na época, conseguimos viabilizar e lançamos a primeira edição em outubro de 2012. Como todo o país, o mercado parece que encolheu no último ano o que fez com que nós passássemos a lançar a revista apenas em formato digital. Se por um lado não há mais a possibilidade de sentir a revista impressa, por outro lado os custos cairão drasticamente e podemos ter mais páginas com mais material, além de ampliarmos o leque de anunciantes. Pode-se dizer que já passamos pela parte mais suja e perigosa da ladeira, agora é desviarmos dos buracos que tiverem no caminho.

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Como funciona o skate além das ruas, pistas e bowls? Digo o skate de ladeira e suas vertentes, modalidades que muitos discriminam, não consideram skate, etc?

O Brasil é celeiro dos melhores skatistas de downhill slide do planeta, sem nenhum ufanismo: o nível técnico daqui é insano, fruto da nossa capacidade de adaptação que todo brasileiro vem equipado de fábrica (risos). Posso traçar uma comparação com o longboard freestyle, também conhecido como “dancing”: nós, brazucas, estamos um estágio acima, algo fácil de se explicar num país onde se dança muito em vários ritmos e que tem um povo com ginga. No free ride, a coisa chegou a um patamar que já não existem mais ladeiras impossíveis ou indomáveis, existem aquelas pras quais você ainda não achou o acerto correto de equipamento. O speed se espalha pelo planeta, existem provas de circuito mundial rolando em cinco continentes – algumas delas com velocidades médias acima dos 100 km/h – e os brazucas vêm dominando os últimos anos. Até mesmo o slalom passou por uma verdadeira revolução nos equipamentos na última década, o que vem permitindo que os tempos sejam cada vez menores e os circuitos, cada vez mais difíceis. Quanto a “não considerar skate”, eu até entendo alguns xiitas do street e vertical terem esse pensamento, afinal ninguém é obrigado a gostar de algo que é diferente do que eles conhecem… A esses, dou um conselho: dropem uma ladeira reta a 50 km/h e controlem o seu skate. Não precisa nem ir muito rápido não, cinquentinha já tá de bom tamanho, e não precisa nem ter curvas; apenas tenham o cuidado de usar equipamentos de proteção e ouvir quem tem mais experiência no downhill antes. Não dá uma de valente porque a ladeira pune e pode punir feio, e bom drop. Só isso, depois a gente conversa. Te garanto que, quem sobreviver, não vai acreditar na adrenalina e vai se interessar – a não ser que o cagaço tenha sido maior do que a curiosidade ou a adrena, aí até dá pra entender (risos). Muita gente critica aquilo que nem conhece, o que por si só é uma bobagem. Isso de preconceito com nós mesmos não tá com nada. Tudo é skate e todos somos skatistas.

Gray slide na pista do Aterro, 2007 - Foto Tio Verde

Gray slide na pista do Aterro, 2007 – Foto Tio Verde

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Sambódromo. Carnaval 1994

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Comemoração dos 20 anos da conquista de Digo Menezes em 1995.

No skate, sempre houve os “manobreiros – atletas comportados” e os “punks”. Se antes lutávamos pela aceitação do skate por parte da sociedade, agora se luta contra a massificação que as Olimpíadas, por exemplo, podem trazer. Você acha que as Olimpíadas tem esse poder de tirar a essência do skate?

Nunca. Sempre vão surgir skatistas com muito talento em todas as modalidades que não estão nem aí pra esse lado competitivo do skate – ou, se tiverem, não terão a Olimpíada como o seu objetivo. O que os Jogos trarão de diferente é uma nova possibilidade de competição, talvez a de maior alcance midiático e promocional de todas, que poderá modificar as vidas de quem participar na competição e até mesmo alguns cenários nacionais. Essa é a possível mudança mais positiva que pode haver, mas perder a essência?! Na verdade, eu acho justamente o contrário, é o skate que tem o potencial de modificar um pouco a imagem das Olimpíadas. Não importa que tenham de usar uniformes ou algo assim: os eixos esmerilhados e as tábuas arranhadas detonando as arenas de competição limpinhas e estéreis já serão diferentes de tudo o que os Jogos já viram até agora. Quantos competidores olímpicos vibram por seus oponentes? O skate transforma tudo aquilo que toca, a começar pelas vidas de quem anda de skate. Não vai ser diferente com as Olimpíadas. Anote, guarde e me cobre depois (risos).

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Bert slide – Pirâmide, 2007 – Foto Tio Verde

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