Entrevista: Guto Jimenez

29-12-2016

por paulo costa

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Guto Jimenez é sem dúvida um dos maiores conhecedores do skate brasileiro. Andando desde o anos 1970, Guto viu o skate se desenvolver em todos os aspectos e participou ativamente do processo e como bom skateboard militant incansável que é, não foge a luta nos dias atuais. Confira!

Começando do começo, como você foi “iniciado” no skate, o primeiro skate, a galera…

Nas férias de julho de 1975, dois amigos que moravam no meu prédio ganharam skates e a gente passou a andar na garagem em duas rampas de acesso que tinham lá. Éramos eu, Otavinho, Cláudio e Paulinho mais os irmãos Bebeu e Marcelo, todos entre 11 e 13 anos. O meu primeiro skate foi dado pelo meu pai cerca de um mês antes do Natal do mesmo ano, era um Benrose com eixos de três parafusos, rodas de borracha com caixas de bilha e tinha uns círculos de borracha na parte de cima no lugar da lixa… Ou seja, era uma merda, mas pelo menos era meu! (risos)

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Na cúpula do congresso nacional. Foto Robert Rebellix (RIP)

Quanto tempo passou até você ter um bom skate, rolar umas manobras, andar em pistas… A sua evolução no skate começou como e quando?

Eu tive mais dois skates ruins (um Jammer de fibra de vidro e um Wave Board da Mesbla) antes de fazer um rolo com um garoto de um prédio vizinho ao meu: uma bola de futebol de couro por um skate Torlay. Nisso aí já tinha se passado um ano e eu comecei a frequentar a Pirâmide no verão de 76/77. A Pirâmide, ou Monumento a Estácio de Sá, foi um dos primeiros picos de skate do Brasil, surgido no início dos anos 70 e está em atividade até hoje. Foi ali que eu comecei a ver uns caras praticando freestyle; o maior local ali era o Flavio Badenes, que competia e tinha patrocínio. Além dele, a galera com quem eu andava no pico eram Edu Bersan, Hélvio, Urso, Falcon (ou Carlos Eduardo Pimentel, que fotografou skate pra Visual Esportivo mais tarde), Bocão, Speedo e outros. Eu fazia slalom e aquelas manobras básicas de freestyle, como tail e nose wheelies, walk the dogs, space walks, 360s… Nada demais. Parte da galera comprou umas rodas Road Riders e passou a andar na ladeira do Parque Guinle, em Laranjeiras, que era foda demais pra mim e pro meu skate naquela época, o pico pegava muito gás! Eu só conseguia sobreviver ali andando nos skates dos outros, os caras tinham rodas boas com rolamentos blindados, coisa fina na época. Mas aí um dos caras quebrou o braço lá e deu o skate dele pra mim, era um Bahne! Aí sim! Lembro que, na época, tinha dias quentes que eu dropava descalço, sem camisa e com os chinelos Katina Surf nas mãos no caso de precisar frear ou botar as mãos no chão. Era o surfe de ondas grandes que a gente fazia no asfalto, só de pensar nisso me dá calafrios hoje em dia… (risos) Passei a ia a outras ladeiras e picos em bairros próximos, como a São Sebastião (na Urca) e a Maria Angélica (no Jardim Botânico), onde se reunia a nata do skate de ladeira carioca da época. Quando caras como Marcelo Neiva e seu irmão Luizito, Ernesto Tello, Alexandre Calmon, Danilo, Bruxa, Claudinho e outros locais andavam, a gente parava pra olhar e prestar atenção, o role deles era muito fluído. Quanto às pistas, elas eram muito longe de onde eu morava e eu nem pensava muito nisso na verdade. Só quando saiu a primeira edição da Brasil Skate é que deu vontade da galera conhecer, aí fomos à Nova Iguaçu e a Jacarepaguá umas duas ou três vezes cada, sempre no carro de um dos pais que tinha saco pra aguentar 3 ou 4 adolescentes pentelhos por algumas horas (risos). Fomos à Campo Grande no dia da inauguração, todos nós ficamos muito intimidados e mal conseguimos andar na pista, mas não perdemos a guerra de grama que rolou no dia e voltamos imundos de barro, foi esporro de lá até o Flamengo (risos). Na verdade, eu só passei a frequentar a pista de CG quando o punk rock começou a se formar ali entre 81 e 82, eu e o Tatu éramos punks e estudávamos na mesma faculdade e ele vivia botando pilha pra eu começar a andar em pistas, o que acabou acontecendo. Eu já andava em ruas, fazendo aquele street jurássico de reproduzir manobras de pistas nas calçadas, e foi legal porque o Tatu foi um Mestre naquela pista, ele e outros skatepunks como o Cavalo me ensinaram as bases do pico. Foi a partir dali que comecei a ir ao Barramares, a Guará, a São Bernardo, a Minas, pro Sul e a andar de skate em todos os lugares possíveis e a viajar mais com a galera do skate. Portanto, as minhas origens estão nas ruas e nas ladeiras muito antes de eu começar a andar mais em pistas.

Como foi a sua vida de pistoleiro? Você conseguiu ter uma evolução em manobras?

Por eu ter me interessado meio tarde em andar em pistas e pela longa distância da minha casa até as pistas, a evolução foi mais lenta do que uma tartaruga com reumatismo (risos). Nunca dominei mais do que uma meia dúzia de manobras no vert, e tanto o street quanto o freestyle e o downhill slide eram muito mais fáceis pra mim. Pra piorar, eu quebrei o meu braço direito levando um hang up em Campo Grande em 83, o que me traumatizou um pouco na época. A partir daí, eu comecei a ter um hábito que me fortaleceu tanto enquanto skatista quanto como homem: se eu me machucasse, a primeira sessão teria que ser no mesmo local onde eu havia me machucado, pra superar qualquer tipo de trauma. Acho que, até por conta disso, nunca teve um pico onde eu tivesse um cagaço de cara; eu me jogava mesmo, nunca botei o galho dentro pra nenhum local. Pra mim, o medo é um sentimento que tem de servir como estimulante, como algo a ser superado, jamais algo que me impeça de fazer alguma coisa. Talvez por isso eu tenha me machucado um bocado, mas aí é outra história… (risos)

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Com amigos em um point punk. 1983.

Sobre o punk rock no Rio: ele nasce com uma ligação estreita com o skate, não? Tem o Coquetel Molotov, considerada a primeira banda skate punk brasileira. Nos conte sobre…

O punk rock no Rio nasceu na pista de Campo Grande, em algum momento entre 1981 e 82. O Coquetel Molotov foi a primeira banda skate punk do Brasil, mas é preciso que se dê o crédito a quem merece: o primeiro skatista a fazer parte de uma banda punk no país foi o Maurício “Shit”, de SP. Ele era vocal dos Inocentes e foi ele quem gravou as primeiras músicas na coletânea “Grito Suburbano”. Voltando ao Coquetel, o Tatu foi o grande catalisador do movimento punkarioca: ele fez o primeiro zine local (o “Manifesto Punk”), organizou as primeiras festas, montou a primeira banda, agitou os primeiros shows… O Coquetel tinha três skatistas na formação, cada um de uma modalidade diferente: o verticaleiro Tatu no vocal, o streeteiro Olmar “Marreco” no baixo e o freestyler Lúcio Flávio na bateria. O único músico de verdade era o guitarrista César Nine, o resto só espancava os instrumentos mesmo no início. (risos) Tenho orgulho de, além de ser amigo dos caras, ter sido uma espécie de “faz tudo” da banda: era roadie, RP, montava as filipetas, viajava junto, andava de skate junto e às vezes entrava na porrada também juntos. Não tinha essa de “respeito entre as tribos” naquela época: punks tretavam com os carecas, com os hippies velhos, os metaleiros, os playboys, até mesmo com a polícia e os milicos. Some-se a isso a personalidade forte do Tatu e o seu talento nato pra arrumar confusão, além do próprio clima de repressão política da época, e você tem um panorama do ambiente em que a gente vivia. Sem exagero, a gente sentiu o “bafo da morte” algumas vezes nessas brigas. Não era brinquedo não.

E a vinda ao Nordeste? Você foi um dos primeiros a conhecer “in loco” o nosso skate. O que e como rolou?

Isso foi em 1986. Eu tinha conhecido o Robert “Rebellix” (RIP) de Brasília e marquei de conhecer o cenário de lá, e foi ele quem deu a ideia de eu conhecer as pistas e picos do Nordeste. Eu trabalhava numa empresa aérea, a extinta Vasp, e ganhava passagens nacionais pra onde eu quisesse. O Luciano Kid e o fotógrafo Petrônio Villela já tinham ido a Fortaleza em 85, mas acabou não virando uma matéria na Overall, só mesmo algumas fotos. Então eu fiz um roteiro que incluiu Brasília, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife e Salvador, sempre dependendo de lugares nos voos pra poder viajar. Foi espetacular! Em Fortaleza, levei um “perdido” do local que era pra me hospedar e acabei ficando só dois dias, mas conheci o temível bowl da Praia de Iracema – o Kid tinha me dito que era punk, mas era Suicidal Tendencies! (risos) Depois parti pra Natal, onde o Ilzeli e sua família me receberam como se eu fosse um parente deles. Aí eu conheci o bowl do Aero Clube, dropei o Morro do Careca num sandboard improvisado, fui até Ceará-Mirim pra andar na rampa do Tercílio – que tinha duas portas fazendo a função de um flat -, levei os locais pra praticar street nas ruas… Definitivamente, foi a melhor etapa da viagem. De lá eu fui pra João Pessoa, onde o Eric me recebeu em sua casa com a sua rampa encostada no muro, sem falar nas sessões de street no Centro Cultural. Em Recife, fiquei na casa do skatista e surfista Carlinhos, que me levou pra andar numa rampa muito louca em Boa Viagem que ficava em frente a uma surf shop: um quarter de madeira, o flat de cimento liso e o quarter do outro lado era de fibra de vidro! Pra finalizar, fui à Salvador e conheci o Lourival Primitivo e mais um local (cujo nome não me lembro) que me levou pra dropar umas ladeiras numa favela na cidade, mas encurtei a estadia por causa de um piriri brabo que me deixou um dia inteiro na privada (risos). Voltei pro Rio quase desidratado, mas feliz pra cacete. Foram duas semanas inesquecíveis, nos quais eu fiquei com o skate nos pés em vários terrenos diferentes, o que me ajudou muito na viagem que fiz à Califórnia na sequência.

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Street em 1986. Foto Robert Rebellix (RIP)

Depois de conhecer, qual a sua impressão sobre o skate e skatistas no Nordeste?

Do pouquíssimo que conheci em 86 e nas viagens seguintes, deu pra notar uma maneira diferenciada de tratar o skate. A galera do Nordeste sempre andou muito em picos que a gente não tinha noção no Sudeste ou no Sul, alguns deles bem difíceis de serem dominados, sem falar em outros lugares e rampas improváveis pelas cidades. Sempre vi muito amor envolvido, muita empolgação e muito empenho em fazer a cena própria nordestina, sem ficar esperando nada de ninguém. O nível dos skatistas daí que eu tenho visto andar nos últimos 30 anos não deve nada ao de outras regiões, desde sempre. Ilzeli de Natal, Gato de Fortaleza, Eric de João Pessoa, Carlinhos de Recife, Primitivo de Salvador e outros nomes históricos não ficavam atrás dos maiores nomes da época, sem favor algum. Lembro dos “moleques” de Aracaju, Lúcio Mosquito, Adelmo Juninho e o Fabrizio Cara-de-Sapo, apavorando em todos os eventos e na Europa, sempre com muita união e muita zoação. Tenho as melhores impressões possíveis da cena e dos skatistas do Nordeste!

Sua vontade de conhecer novos lugares te levou ao mundial da Alemanha, sendo o primeiro brasileiro a competir naquele tradicional evento em 1987. Quais os detalhes dessa façanha?

A bem da verdade, a Transworld Skateboarding havia organizado um evento no Canadá em 1986 no qual foi uma delegação do Brasil. Eu fui o primeiro brasileiro a competir no Mundial da Alemanha em Münster. Não foi só a vontade de ampliar os conhecimentos que me levou até lá: eu ainda trabalhava na Vasp e ganhei as passagens aéreas de outras empresas, no caso a Tap e Lufthansa. Então, quando eu li na Thrasher que os caras iriam fazer um evento mundial na Alemanha, eu escrevi pra eles informando que eu era um amador esforçado de street e que também escrevia pra uma revista daqui (a Yeah!). Eles foram supergentis e me responderam pouco tempo depois, já me enviando o esquema do campeonato junto com uma ficha de inscrição. Bem, alguns meses depois, eu chego lá em Münster e peguei a programação do campeonato, que tinha anúncios da Coca-cola e Hertz, e já pensei ironicamente: igualzinho ao Brasil (risos)… Tava folheando e botando o meu conhecimento precário de alemão em prática quando cheguei à página onde estavam os destaques internacionais: um dream team dos americanos, com a Bones Brigade, as equipes da Vision e Sims, o Hosoi, alguns caras da Costa Leste, mais os alemães, Nicky Guerrero e os dinamarqueses etc e tal… e qual o nome que eu vejo no final da página? “Guito Jimenez”, como eles escreveram. Eu gelei e pensei, “PQP, qual parte do ‘amador esforçado’ que o cara não entendeu?!” (risos) Nisso eu entrei no ginásio pra me inscrever e vi um monte de bandeiras – entre elas, a do Brasil. Aí eu percebi a confusão que eu havia me metido; fiquei com tanta vergonha que me inscrevi no pro, acho que sou o único que virou pro numa fila! O evento em si foi o máximo pra época, conheci e andei junto com caras como Steve Caballero, Lance Mountain, Mark Gonzales – um maluco-beleza desde sempre -, Rob Roskopf, Kevin Staab, Claus Grabke, Florian Böhm, Nicky Guerrero e Sean Goff, além de freestylers como Yo-Yo Schultz, Pierre-André, Jean-Marc Vaisette e Shane Rouse. O fato de ser o único brasileiro meio que me transformou numa “celebridade instantânea”, o que me levou a dar autógrafos, entrevistas e até a pegar uma francesa linda (risos), mas no geral eu era encarado como um ET. Como se não bastasse, o próprio Titus Dittman se amarrou na minha e me levou pra passear em alguns dos carros de sua coleção, incluindo um role numa autobahn a bordo de uma Lamborghini a 300 km/h que quase me fez cagar nas calças (risos). Andei muito bem na minha 1ª volta, mas acabei zoando o joelho na 2ª e ainda assim fiquei em 14º entre cerca de 40 competidores. O resultado foi o que menos importou pra mim, a aventura foi maior do que tudo. Ah, sim, quase ia esquecendo que eu não só fui o 1º brazuca a ir pra Alemanha pra competir, fui também eu que comecei a famosa “feirinha de Münster”. Foi assim: meu amigo Alexandre Calmon estava começando a marca No Limits e estava fazendo shapes e equipamentos de segurança. Eu levei 10 shapes, 10 pares de joelheira mais 10 de cotoveleiras e outros 10 wrist guards. A intenção era vender tudo pro Titus, que era (e ainda é) o maior distribuidor de boardsports da Europa. Os caras foram me enrolando e, quando eu vi, chegou o domingo e eu tava com tudo na bolsa. Peguei uma caixa de papelão, dividi em duas e escrevi em inglês e alemão: “vendo equipamentos de skate”. Tudo era caríssimo por lá, tipo um shape era uns 70 dólares em marcos alemães, então eu fiz a festa. Fiz a grana que teria de pagar à No Limits e ainda arrumei uma grana extra que me permitiu ir à Hamburgo, Berlin, Copenhagen e ainda ficar três dias em Lisboa na volta. Bom negócio, né não?! (risos)

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Grind na Lagoa em 2000, ano que para alguns o mundo acabaria. Foto Rick Werneck

Você fez parte do staff da histórica Revista Yeah!. Foi a sua entrada no “ramo jornalístico”?

Sim, eu fazia parte daquela “zona organizada” (risos). Um time de feras, com Paulo Anshowinhas, Cecília Mãe, Hélio Greco, André Sader, Diorandi Nagao e Taitai, entre outros, contidos pelos donos da editora, o Wid e o Claudio. Na verdade, a Yeah! foi a primeira revista de skate que eu colaborei, mas a minha estreia foi como fanzineiro: eu fazia um fanzine chamado “Punkarioca”. Sempre tive facilidade em escrever, portanto a escolha pelo jornalismo foi até mesmo natural; no início, eu colaborei com algumas revistas de música da época, como a Pipoca Moderna e a Roll, e daí o Cesinha me chamou pra escrever sobre um campeonato que rolou em Búzios em 84. Saiu uma matéria na extinta revista Visual Esportivo, da qual eu virei editor de skate pouco tempo depois, e não parei mais desde então.

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Produzindo infos de skate e música em 1985. Foto Ricardo Azoury

Outro lado que você sempre esteve presente foi o organizacional, dentro das entidades. Fale-nos sobre esse engajamento e aproveitando, como você vê a gestão feta pela CBSK?

Eu trabalho nos bastidores do skate desde o final de 1983. Uma galera composta pelo Cesinha Chaves, Alexandre Calmon e eu formou a S.U.A.T. (Skatistas Unidos Anarquia Total), depois incluímos caras como o Kuge de SP e o Gyrão (então de Santa Catarina). A ideia era retornar os campeonatos às suas origens, ou seja, com muito mais skate e atitude positiva do que ficar apenas sonhando com estrutura de palanque, som e premiação gorda e não fazer nada. Foi uma chacoalhada na galera, que tinha um pensamento meio idiota: ficavam idealizando campeonatos como os de Guará, onde não faltava nada, e não agitavam pra fazer simplesmente o que fosse possível. Depois disso, participei das fundações da U.S.E. (União de Skatistas e Empresários) no final de 87, da U.B.S. (União Brasileira de Skate) no final do ano seguinte e da A.S.R. (Associação de Skate do Rio) em 91. Só vim participar da CBSk a partir da segunda gestão, por convite do Ed e após a pressão de alguns amigos. No momento, estou participando da fundação de outra entidade de organização do skate de ladeira, sobre a qual ainda não posso falar. Quanto à gestão da CBSk, é bom saber que os caras fazem o máximo do mínimo antes de criticarem sem motivos. Todos nós temos nossas ideias sobre o que a entidade pode fazer pra melhorar, e eu mesmo tenho várias, mas o que cada um de nós faz pelo cenário? É isso que temos de nos perguntar antes de criticarmos quem faz o trabalho duro e vira vidraça pros que só sabem reclamar. E digo mais, antes a CBSk composta por skatistas com todas as suas limitações do que algum outro oportunista, que inclusive já registrou a piada chamada “confederação brasileira do skate olímpico”… Até aproveito pra alertar a galera: depois que o skate virou modalidade olímpica, já surgiram vários paraquedistas pra caírem em cima do nosso cenário – e muitos, muitos outros vão surgir ainda. Saibam separar o joio do trigo.

Você faz locução de campeonatos há muito tempo e me parece que você não é o tipo “animador de auditório”. É isso mesmo?

É, já tem um tempão mesmo… A primeira locução não foi nada planejada, eu tava competindo no campeonato da Ladeira da Morte em 88 quando o Tanabe me chamou pra conversar, e disse mais ou menos assim: “Guto, eu vou competir daqui a pouco e preciso me aquecer, preciso de alguém pra segurar a onda da locução por uma meia hora. Você não é muito imbecil e a galera te conhece, então faz a locução pra mim e vê se não fala muita merda” (risos). Nem deu tempo de pensar direito, fui ali narrando manobras e falando o que eu sabia dos competidores e o que vinha pela cabeça e deu certo. A tal “meia hora” do Marcio demorou quase duas horas (risos), ele jamais teria dado esse mole se eu tivesse sido pavoroso… Quanto ao meu estilo de locução, eu acho que o público sente a energia que o skatista tá passando através do role que ele está vendo, não dá pra enganar aquilo que os olhos estão testemunhando. Quando eu me empolgo, é porque tá acontecendo alguma coisa ali que é digna de empolgação. O público vem junto sempre, acho que curtem o meu estilo técnico e despojado ao mesmo tempo.

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Down Hill Speed Monster. 1998.

Skatista em campeonato só quer mesmo se divertir?

Fora os momentos da competição, sem dúvida. Não é sempre que se tem a oportunidade de cruzar com a galera que tá competindo no circuito de qualquer modalidade, é sempre cada um anda fazendo as suas coisas em suas cenas locais. Então quando se cruzam no aeroporto, no hotel ou até mesmo no local do evento, é festa na certa. Agora, na hora do vamos ver, a amizade fica de lado ou pelo menos deveria ficar. Mas é aquilo, tudo tem a sua hora, existe muita coisa em jogo e os caras da atualidade são os mais profissionais em todos os tempos. É o mínimo que os patrocinadores e apoiadores do competidor esperam, é o mínimo que o público merece. Hoje em dia existe muito mais consciência de como os competidores devem agir na hora da disputa, mas a irmandade prossegue sem maiores danos, mais em algumas modalidades e nas sessões do que nas competições.

O Rio de Janeiro tem uma grande importância desde o início do desenvolvimento do skate no Brasil, com revistas, o trabalho do Cesinha Chaves, entre outras coisas. Como bom conhecedor, qual é a sua explicação pro skate daí não ter o mesmo nível de desenvolvimento como em São Paulo e Curitiba, por exemplo, em termos de indústrias, marcas fortes e equipes?

Antes de eu te responder, é preciso que se tenha consciência de um fato consumado: é muito difícil de manterem uma postura profissional no Rio, em qualquer ramo de atividade. A tal informalidade do carioca é muito legal por um lado, mas é uma merda quando se tenta fazer qualquer tipo de acordo ou negócio. É aquele papo de “vamos marcar” e não rolar nunca, “me liga” e não trocar os números, “vamos ver isso sim” sem pegar uma agenda pra ver quando vai acontecer… O Rio é muito relaxado de modo geral e isso acaba contaminando os negócios. Agora falando de skate: até meados dos anos 80, o cenário do Rio aparecia mais nas mídias e os skatistas daqui dominavam as competições. Quando o mercado do skate começou a ficar mais profissional, mais organizado e desenvolvido, o Rio foi ficando pra trás. Por aqui, existe muito amadorismo com uma capa de profissionalismo, em todos os níveis que você possa imaginar e não é só no meio do skate. Isso daí, somado a disputas de egos, falta de união e muita autopromoção desmedida, faz com que o cenário do Rio não consiga mais se destacar a nível nacional. Sempre vão ter skatistas talentosos em todas as modalidades, agora mesmo eu poderia citar 10 nomes de skatistas surgidos nos últimos anos que têm talento de sobra pra se destacarem pelo país afora, em todas as modalidades; o material humano não é o problema, mas sim a falta de profissionalismo no próprio cenário em si. Não é à toa que alguns dos grandes nomes do skate do estado, como Bruno Passos, Allan Mesquita, Emanoel Enxaqueca e Nilo Peçanha, entre inúmeros outros, só conseguiram se destacar nacionalmente depois que começaram a fazer suas carreiras longe daqui. Triste, mas é a verdade.

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Front Side Grind em 1990. Buenos Aires, Argentina.Foto Rolf Durriel

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Slalom 2007.

Breve parte dois, fique ligado!

 


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