ENTREVISTA: ROGÉRIO LEMOS

18-04-2012

O estilo de andar de skate e o modo como fala do mesmo demonstram o quanto Rogério Lemos tem o skate na veia. Paulistano criado em Sorocaba e com um pé no Nordeste, esse grande skatista nos conta sua trajetória no skateboard que começou lá nos anos 1980.

por paulo “playboy” costa



acervo pessoal





A velha e desgastada pergunta, porém necessária: Como foi o início no Skateboard?
Foi em 1986 em São Paulo, cidade em que nasci. No prédio onde morava todo mundo estava largando a bike e comprando skate. Era uma febre absurda! O início era como uma brincadeira entre amigos mesmo, eu não tinha idéia do que era o skate até o dia que vi na banca de jornal uma revista Yeah que nas primeiras páginas tinha o Sérgio Negão mandando um F/S Air… Fiquei maluco ao perceber que o skate era muito além daquela simples brincadeira do prédio e fui atrás pra conhecer mais. Foi quando comecei a ir ao QG Skatepark e as vezes colava na loja Mustabi, onde tive contato com o Street. Mas poucos meses depois me mudei pra Sorocaba com meus pais e achei que ia perder o contato com a cena do skate, mas tive muita sorte, pois logo de cara conheci a velha guarda do skate sorocabano (Ronie, Nal, Dado, Rocha, Gastão…). Os caras eram locais do Mirante em Jundiaí, andaram na Wave Park, na Wave Cat, faziam algumas rampas de madeira em Sorocaba como quarter do Feirão, mini Half Pipe da Bibols, o Half Pipe do Jardim São Paulo… Foram eles que me ensinaram o verdadeiro skate mesmo, o espírito “for fun”, o respeito pelas raízes. E paralelo a isso eu fazia street com os caras da minha idade como o Sheo, Ota, Lisboa, Suzuki, Marcus Aviador, Edu, Franja, André, Adriano… A maioria local do Colégio Salesiano onde tínhamos umas rampas de concreto espalhadas numas quadras de futebol de salão. Eram bons tempos aqueles! Ainda tem uma série de outros nomes que foram locais de outros picos como a praça Carlos de Campos e Concha Acústica, como o Demian Balboa, Bruno, Febem, Bolão, Décio, Tico, Brown, Rafael Japa, Anderson…. Enfim, se for citar todos a lista fica gigante! O que sei é que muitos deles são grandes amigos até hoje, grandes irmãos mesmo.

foto ronie mariano
Daquela época, quem ainda está na ativa?Infelizmente alguns pararam, mas sei que ainda tem o skate na veia. O Sheo está na ativa, tem uma mini rampa de madeira na casa dele no sul do país. O Aviador também está na pegada andando direto com seus skates customizados; o cara é insano! O André tem uma mini rampa bem legal na casa também e continua mandando seus bs airs, assim como o Adriano que tem até uma manobra que ele inventou, o Give The Foot Loro! Só vendo pra entender, rsrs. O Franja também continua forte no skate com suas liptricks de mini rampa e fazendo um trabalho bem legal junto a molecada da cidade, ensinando a andar de skate e tocando alguns projetos sociais. E tem também o Dado que depois de um tempo afastado retornou a andar e agora com seus 47 anos (eu acho …) está mandando seus grinds e rocknrolls. É muito gratificante ver o Dado na sessão pois foi o primeiro cara que vi mandando um Lay Back por exemplo, que é uma manobra que gosto muito de mandar. Certamente ele serviu de inspiração pra mim, é um dos meus mestres no skate.

foto andré gralha
E no início, a sua família apoiava?No começo não. Eles não tinham noção do que era o skate e rolava um certo preconceito sim. Mas depois foram se acostumando e viram que eu estava muito ligado ao skate não só como praticante. Consegui unir minha profissão e minha formação em Propaganda com o mercado do skate, aí eles foram entendendo que além de tudo é também o meu trabalho envolvido nisso. Hoje eles me apóiam totalmente! Tenho muito a agradecer aos meus pais e familiares por isso.

foto petrônio vilela

Algum parceiro do skate especial naquela época?
Todos os que fizeram parte dessa minha trajetória são especiais em algum sentido. Mas tem um que eu gostaria de falar e é justamente o cara que mais andou de skate em Sorocaba hoje em dia não anda mais. O cara tinha um Ollie violento e muito alto, tinha uma base absurda em transição… Teve uma vez em um halfpipe em Itu que ele aprendeu em um único dia a mandar fs air, roll in drop e mayday… O cara é o Evandro Ota que tinha tudo pra ser um dos top pros do Brasil, mas infelizmente hoje em dia é raríssimo vê-lo andando de skate. Sei que ele tem skate na veia ainda, tentou voltar a andar varias vezes, mas sempre se machucava e parava de novo. É uma pena, pois além de um grande irmão é uma grande referência do skate sorocabano.
O primeiro skate?Um H.Prol sem Pro Model e rodas com bilhas! Sofrido viu, rsrs… Mas antes disso eu andei com um skate Costa Norte que uma prima minha me emprestou, pena que esse skate sumiu, pois seria uma boa peça para algum museu do skate.
E hoje, qual o set-up do seu skate? Que tipo de rodas,trucks e decks prefere?Drop Dead 8.6, roda OJ Park 56mm e Indy 149. Além das OJ Park também gosto de usar as Bones SPF. Deck eu tenho usado o Naked da Drop Dead que tem ótimos concaves e durabilidade. E truck é Indy desde sempre e ponto final.

foto p.vilela
Praticava alguma modalidade específica ou era overall?Andava em tudo, overall mesmo. Pela falta de pistas na cidade na época, fazia mais street. Mas sempre fazíamos umas trips para as pistas da região como o halfpipe de Itu, a pista de Salto, a mini rampa de Piracicaba. Nessas que aprendi algumas manobras que hoje em dia mando nos bowls. Hoje em dia no street agora só com meu cruzer, roda larga e macia, bem na boa, nada de pular gaps e escadas que eu costumava fazer antigamente.
Que skatistas lhe influenciavam?São influencias até hoje. Natas Kaupas, Mark Gonzales, Mike Vallely, Bill Danforth são as minhas referências do street da época. Depois também vieram Cardiel, Matt Hensley, Jason Lee… No vert sempre gostei mais de estilo e velocidade do que manobra, aí vinham nessa pegada o Hosoi, Caballero, Chris Miller, Jeff Phillips, Lance Mountain… Tinha os mais antigos que sempre admirei também como Salba, Duane Peters, Tony Alva… Aqui no Brasil era o Daniel Kim, Mureta, Porque? e todos os mais junkies que tinham na época.

foto paulo sergio
Você tem um pé aqui no nordeste, especificamente no Rio Grande do Norte. Conta essa história…Meu pai é nascido em Mossoró e criado em Natal. Tenho primos e uma tia que ainda moram em Natal. O resto dos irmãos do meu pai estão todos em São Paulo.
Conhece o Nordeste, parte de suas raízes…Já fui algumas vezes para o nordeste e conheci algumas capitais, a última foi em 1993 quando fui para Natal, eu tinha 20 anos… Conheci Mossoró também e me surpreendi ao ver uma pista de skate na cidade. Conheci uns skatistas nas ruas de Natal mas sinceramente não me recordo os nomes e não tive mais contato, só lembro que fizemos street numa praça perto do estádio do América. Mas tenho vontade de voltar agora pra conhecer melhor a cena do skate nordestino e andar em algumas pistas.
Sabe algo do passado do skate do Nordeste? E hoje?Cheguei a ter um model do Marcelo Agra, se não me engano pela Flywalk. Grandes nomes do skate mundial como Lúcio Mosquito e Adelmo Jr são referências do Nordeste. Sei que tem uma cena forte e grandes skatistas, hoje tenho mais informação sobre o skate nordestino do que antigamente, principalmente por canais pela internet como o Veterankate.
Que lugares conheceu através do skate? Conheceu outros países?Guaratinguetá, Curitiba, Porto Alegre, Florianópolis, Brasília, várias outras… São cidades que mantenho constante contato seja nos eventos que rolam ou sempre que tenho um tempo de sobra pra poder ir. Conheci também a Califórnia, morei em Berkeley em 1999, andei em várias pistas como a Combi Pool em Orange County, Basic Pool em Huntington Beach, Skate Street em Ventura… Foi uma grande experiência, quero voltar pra lá e conhecer as novas pistas.

foto iravideomaker
Que lugar te marcou mais?Porto Alegre é um lugar que sempre gosto muito de ir, pelas pistas, pela vibe da cidade, pelas pessoas, pelo clima skate rock que rola e pelos amigos que lá fiz. Mas a California é o berço do skate, não tem como um skatista não gostar de um lugar como aquele.
Como é seu trabalho? Você trabalha na Drop Dead e já produziu sites até para PPS (Pocket Pistols Skates) e també faz parte do Team…conta um pouco disso…Trabalho com criação publicitária e web design. Uma das minhas metas profissionais era conseguir atuar no mercado de skate. Um cara que me abriu as portas para isso e que tenho muito a agradecer foi o Éder Botelho da Action Now de Campinas. Comecei fazendo estampa de shape, logotipos da marca, cartaz de campeonatos, mas eu já trabalhava com web design e queria fazer algo voltado para o skate. E em um dos Old School Skate Jam de Guará conheci o Bruno Brown da Wave Boys e logo de cara acertamos um site. Logo depois veio a Inc3, a Balboa Boards do Demian que também fiz o site da loja dele. Em seguida vieram a Pocket Pistols, contato que fiz através do Bruno Brown, e depois a Vans onde trabalhei por 4 anos desenvolvendo o site e mídia online. Outros sites que produzi foram da Devotion, o site pessoal do Allan Mesquita e do Otavio Neto também. Quanto a Drop Dead tenho muito a agradecer ao Eduardo pela confiança no meu trabalho que venho realizando já há alguns anos. Trabalhar na Drop Family é como estar numa grande família, uma família que respira skate a cada segundo que passa, tenho muito orgulho disso. Criei também o blog da Gardhenal Skates do Ragueb, na qual faço parte da crew e logo mais teremos um site novo da marca. Sobre estar no Team, eu particularmente me sinto honrado por estar numa equipe que tem nomes como Rodolfo Ramos, Pedro Barros e Léo Kakinho por exemplo. Não consigo ver meu skate à altura desses nomes mas sei que tenho muito skate na veia e represento bem a Drop Dead na categoria Master. Represento também a Independent Trucks que é umas das marcas da Drop Family no Brasil

foto pablo vaz
A marca que vc trabalha dá o excelente exemplo de valorizar as diferentes gerações do skate. Você acha que outras marcas estão caminhando pra isso aqui no Brasil?Sim, realmente a Drop é um grande exemplo de valorização tanto ao skate quanto ao skatista. Vejo um número crescente de marcas que apóiam de verdade e isso é muito bom para o skate em geral. Mas também vejo muita marca explorando o skate indevidamente, verdadeiros sanguessugas que só se aproveitam do mercado em alta. É uma pena, mas acredito que haja o que houver os verdadeiros continuam em pé sempre.
E agora como Pro, como é o dia-a-dia pra manter o Rip?Minha rotina não mudou em nada, continuo andando de skate umas 3 a 4 vezes por semana. O problema é que aqui em Sorocaba não temos bowls do mesmo nível dos que geralmente rolam os eventos. Nenhum bowl daqui tem mais que 2 metros de altura e não existe coping block, então imagina o sofrimento quando chego num RTMF Bowl por exemplo.
Conte sobre o RHCS. Como nasceu, os responsáveis e como está…A RHCS (Rheumatic Hard Core Session) surgiu numa tentativa de trazer de volta para o skate sorocabano alguns caras que estavam afastados. O nome quem idealizou foi o Ota, numa brincadeira por telefone ele disse que a sessão seria de reumatismo rsrs… Aí pegou o nome! O primeiro que rolou contou apenas com os locais de Sorocaba e rolou na Big House, um skate park indoor que tinha aqui na cidade, muito bom por sinal. Já no segundo e terceiro começou a vir uns caras de Campinas, Piracicaba, São Paulo, Rio de Janeiro… Aí quando o evento estava ficando maior tivemos a perda da Big House e só conseguimos fazer outro RHCS em Piracicaba no ano passado, onde contei com a parceria forte do Cristiano Pira que me ajudou muito a fazer o evento. Foi uma grande festa com direito ao melhor do skate, rocknroll e churrascada a vontade! Não é um campeonato, mas rola umas competições malucas tipo pior manobra, melhor tombo, pior cabelo… Além também dos best tricks. Quem foi gostou muito e pede mais. Esse ano tem mais, talvez duas edições. Estamos definindo datas ainda, mas vai rolar!
Você foi reconhecido pela CBSK como profissional. Qual sua opinião sobre a entidade? Você valoriza esse trabalho?Valorizo sim, acho muito importante que os skatistas tenham uma entidade maior que os represente. Acredito no trabalho e conheço as pessoas que trabalham lá dentro. Apesar de ouvir algumas críticas (o que é normal em qualquer situação), creio que o trabalho está cada vez melhor e os resultados vão surgindo com o tempo. O que não apoio são outras entidades que estão surgem querendo se colocar à frente da CBSk.
Quem entraria na sua lista dos 10 melhores?(No Brasil/No resto do mundo)Difícil essa hein, vão faltar muitos nomes, mas lá vai… Mureta, Daniel Kim, Pedro Barros, Nilton Neves, Rodolfo Ramos, Chris Miller, Lance Mountain, Peter Hewitt, David Gravette e Grant Taylor.
Como bom conhecedor d bowl, qual o melhor aqui no Brasil na sua opnião? E fora do país, algum que vc conheça e marcou?Fora daqui a Combi Pool e a Basic foram pistas que me marcaram muito. Aqui no Brasil sem dúvida alguma o melhor é o RTMF Bowl, e o mais casca grossa também! Mas gosto demais do New.Love Bowl da Swell, do quadribowl do Vert In Roça do Gui e dos clássicos bowls/banks do Itaguará Contry Club.

Depois do skate, que outras paixões tem?Sou apaixonado pela minha profissão e pela liberdade que ela me traz. Apesar de ser publicitário de formação, atuo também como web designer. Outra coisa que não consigo viver sem é a música. Toco violão desde os meus 12 anos de idade e sou vocal do OSSO, uma banda Hard Core de Sorocaba. O Gerson (bateria) e o Chocola (guitarra) me chamaram pra ser vocal, pois eles acham que eu sei cantar! (risos)… Agora entrou um outro baixista, o Felipe, e deu um novo gás na banda. Já tocamos em alguns eventos de skate, inclusive tivemos o Chuck Treece como padrinho da nossa primeira música (Traidor), onde ele tocou com a gente num evento na Pig Pool do André Benine em Lorena. Foi uma grande honra!

foto ronie mariano
Planos futuros com skate?
Enquanto eu estiver mandando um simples grind e com meu corpo e mente sadios, meus planos para o futuro estarão garantidos! Quero continuar trabalhando com design e propaganda, penso em fazer mais projetos nessa área relacionados com skate. Quero também continuar andando e me divertindo com o skate até quando eu aguentar. Fora isso, tenho muita vontade em realizar um trabalho social com o skate, seguindo o exemplo de alguns que já fazem um belo trabalho como o Sandro Testinha e vários outros que estão nessa batalha. Deve ser muito gratificante ajudar o próximo através de uma prática tão divertida e cheia de cultura como o skate.

foto diorandi nagao
Agora conta ai, por que Bullet?
No final dos anos 80 não era nada fácil ter material importado aqui no Brasil. Um dia consegui comprar as cobiçadas rodas Bullet, por sinal comprei usada de um conhecido. E aqui em Sorocaba existiam dois Rogérios que andavam de skate e quando se referiam a mim diziam que era o das Bullet, e aí ficou Rogerio Bullet… Hoje em dia raramente encontro alguém me chamando desse apelido, acho até engraçado quando isso rola porque é um apelido que só a galera da antiga de Sorocaba que conhece.

foto paulo sergio
Ok Rogério, foi uma grande satisfação te entrevistar e conhecer melhor sua história como skatista, agora manda as considerações finais…
Agradeço a todos que estão lado a lado comigo nessa caminhada, vocês que dividiram e continuam dividindo com sinceridade cada conquista ou derrota que tive nesses 26 anos de skate. Muito obrigado mesmo pelo apoio, pela amizade, respeito, consideração e por todas as sessions feitas e todas as que virão! Deixo também um agradecimento especial aos meus patrocinadores e apoios (Drop Dead, Independent Trucks, Gardhenal Skates, Vans) pelo suporte e de certa forma acreditarem no meu trabalho seja no design ou em cima do skate. Vida simples sempre prevalece.


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